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A Ronda das Américas (Jorge Amado)

A Ronda das Américas (Jorge Amado)

R$30,00

Autor: Jorge Amado

Editora: Casa de Palavras

Organizador(a): Rául Antero

Categoria: Acervo

ISBN: 8572780696

Dimensões:  22 X 15,5 X 1 cm

Acabamento: Brochura

Edição:  1 – 2001

Idioma: Português

 Páginas: 164

“O resultado da venda deste produto é destinado aos projetos culturais da Fundação Casa de Jorge Amado.”

SKU: 782 Categorias: ,

A ronda das Américas não é um diário. Não obedece à lei compulsiva do calendário, mesmo que as longas páginas dedicadas à cidade sergipana de Estância sejam, no texto, o que há de mais próximo à notação cotidiana. (Preso em fins de 1937, Jorge Amado passa, no ano seguinte, a residir em São Paulo e, mais tarde, em Estância. O texto ganha, portanto, nova significação: a de subterfúgio textual para um escritor de localização esquiva).  Não sendo diário, A ronda das Américas é tão somente um relato de viagem. Uma viagem pela América Latina às vésperas do Estado Novo. Com relato de memória, enfim, narra um processo de subjetivação ou, deveríamos melhor dizer, de dessubjetivação, um processo através do qual seu autor deixa de ser quem era antes de iniciá-lo. Digamos, portanto, que A ronda das Américas assinalada, de início, a transformação do viajante em turista. Jean Cassou aponta que em Stendhal a palavra touriste ainda é sinônimo de viajante. Depois da Primeira Grande Guerra, no entanto, o viajante deve ser irreversivelmente, turista. Mesmo assim, em 1938, Jorge Amado ainda grafa touriste, muito embora houvesse precedentes brasileiros para a grafia atual. Lembremos, a título de exemplo, do relato de Mário de Andrade, O turista aprendiz, divulgado, dez anos antes, pelo Diário Nacional de São Paulo. Porém, mais importante do que a controvérsia touriste/turista, seja talvez a idéia que Mário fixa, no prefácio de 1943, ao livro projetado e nunca editado: sua intenção fora a de “escrever um livro modernista, provavelmente mais resolvido a escrever que a viajar”.  Para Amado, pelo contrário, mais importante do que escrever era viajar e A ronda das Américas não é, decididamente, um livro modernista. Poder-se-ia dizer, se o rótulo não estivesse tão gasto, que é um livro pós-modernista. Com efeito, pouco antes da viagem de Jorge Amado pela América Latina, numa pesquisa de Lanterna Verde sobre o sentido atual da literatura no país, ou mais especificamente, sobre o esgotamento da literatura modernista, Gilberto Freyre argumentava que  a geração intelectual que sucedeu no Brasil aos modernistas de São Paulo e do Rio apresenta, entre as suas características mais salientes, o que alguém já chamou de sociologismo. A poesia abaixou a voz e o romance elevou a sua, até tornar-se grito – um grito rouco, profético e até demagógico em alguns romancistas. A poesia modernista elevara também seu grito revolucionário: mas revolução quase puramente literária, sem grandes preocupações sociais. O que principalmente passou a caracterizar o romance novo foi o seu tom de reportagem social e quase sociológica; a sua qualidade de documento; as evidências que reuniram de vida esmagada, machucada, deformada por influências de natureza principalmente econômica; os seus transbordamentos políticos. Tal o caso dos romances de Jorge Amado. Em resumo, quando em 1938 empreende a publicação de “uma grande reportagem” para o jornal Dom Casmurro do Rio de Janeiro, a partir das anotações feitas durante a viagem de 1937 pela América Latina (“Primeiro Rio Grande do Sul, estado que não conheço. Depois atravessaremos o Uruguai e Argentina, em direção ao Chile. Do Chile, subiremos a Costa do Pacífico até o México. Para, depois, volver via Estados Unidos e América Central”), Jorge Amado está de fato ensaiando novas formas de escrita que mesclam testemunho, memória e documento. Quais eram naquele momento os modelos de relato à sua disposição? A viagem do congo (1972), mas sobretudo, o Retorno da URSS (1936) de André Gide; as Cenas da vida futura (1930) de Georges Duhamel; o relato de André Maurois, Na América (1931), ou a de Jacques Soustelle, México, terra indígena (1936). Não vejo maiores sintonias com Um bárbaro na Ásia (1933) de Michaux, A África fantasma (1934) de Leires ou os Hábitos e costumes dos melanésios (1933) de Malinowski. Mesmo entres os latino-americanos não parecem tê-lo marcado nem as águas-fortes de Roberto Arlt nem as evocações líricas de Raúl Gonzáles Tuñón, que decerto ele conheceu. Porém, não desenharia os livros de Saint-Exupéry: Vôo noturno (1930) e Terra dos homens (1939). Nem mesmo no domínio dos relatos brasileiros pelos países hispano-americanos, A ronda das Américas se quer pioneira. Precedem-na Do Rio a Buenos Aires (1901) de Arthur Dias, a Viagem a Buenos Aires (1971) de Mário Brant, a série Buenos Aires (1971) de João do Rio, Na Argentina: impressões, 1918-9 de Oliveira Lima, A mais linda viagem (1972) de Luis Amaral ou América do Sul (1937) de Antenor Nascentes. Qual é a sua diferença, portanto? Em A ronda das Américas Amado faz mais do que uma simples observação em movimento. Lança seu olhar sobre o continente, mas recorrentemente é ele porém, quem o contempla, uma vez que ver é sempre perder de vista. Em outras palavras, são os fragmentos abandonados da Ronda, os que, circularmente, nos iluminam a escrita futura do próprio Amado, suas opções e estéticas, suas derivas. Como não ver no retrato de La Perricholi um antecedente de Gabriela? Como não ler um elogio à transculturação vitoriosa no quadro dessa Lima quase Bahia? Como não entender o impacto das nacionalizações econômicas mexicanas ou a admiração pela arte muralista e proletária como sinais sutis de continuidade com suas convicções localistas? De fato, o quadro que nos traça de seus companheiros de bordo no Rokuyo Maru, durante a travessia pelo pacífico, é o contexto eloqüente em que Amado escreve Capitães da areia, concluído na cidade do México em julho de 1937. Não é Anísio Teixeira, o amigo das crianças, a quem o romance é, por sinal, dedicado, o tipo de político-tradutor cultural que Jorge Amado se acostumou a encontrar durante a viagem e, especial, no México? O recurso à longa reportagem sobre o problema do livro na América, enxertada do El Universal, não é porventura hipertextualização congenial com o recorte do Jornal da Tarde que abre Capitães da areia? Não sintoniza o desenho da capa de Clóvis Graciano com o traço que o escritor aprendeu a admirar no Taller de Gráfica Popular, influenciado por Siqueiros? Não é, aliás, essa mesma experiência coletiva de criação a que se exprimirá mais tarde no romance policial Brandão entre o mar e o amor, que ele escreve com Aníbal Machado, Graciliano Ramos, Rachel de Queroz e José Lins do Rego? Enfim, se como relato de memória, o texto afirma tanto de Amado quanto dos cenários visitados, poderíamos também argumentar que, mesmo sendo uma viagem para além da mercadoria, A Ronda da Américas acaba por integrar-se à indústria do ócio, como página final do hebdomadário carioca, até se diluir no total esquecimento, como o qual o círculo entre texto e sociedade se fecha em si mesmo. Disse, no início, que A ronda das Américas não é um diário. Sofreu, com efeito, a elaboração à posterior característica da escrita memorialística. Foi estampada por Dom Casmurro vários meses após o retorno da viagem. Porém, o texto é menor do que o périplo. É provável que Amado tenha desistido de completar a empreitada, ou que a partir do momento em que se engaja com Capitães da areia as notas tenham se tornado mais esparsas  a cada dia. Encontramos, de fato, nas páginas do periódico dirigido por Brício de Abreu, e onde Álvaro Moreyra desempenhava papel de destaque, a seguinte série textual: o primeiro capítulo de A ronda das Américas“Ainda Brasil”, foi estampada a 17, 24 e 31 de março de 1938; o segundo, “Uruguai”, saiu em 7 de abril; o terceiro capítulo, “Argentina”, em 14 e 21 de abril; o quarto, “Cordilheira dos Andes”, em 28 de Abril; o quinto “O Chile”, sai em três fragmentos, a 12 e 21 de maio e ainda, 2 de junho de 1938. Até aí a Ronda. Falta, porém, mais um ciclo. No ano seguinte, Jorge Amado volta a residir no Rio de Janeiro, indo trabalhar na revista Diretrizes. Em seu Suplemento Literário (n. 2, nov. 1939) publica mais um pequeno fragmento, “México todo pitoresco”, acompanhando uma reportagem gráfica sobre “A pintura mural e seus expoentes na América”. Decidimos incluí-lo como capítulo final da série, visto ser parte inequívoca da memória de viagem inacabada. Peter Osborne define o modernismo como tradução, um esquema interpretativo geral que permite examinar e analisar formas específicas de determinação temporal, fazendo com que o valor moderno tenha constantemente que se referir a um aqui e agora. Pois muito bem, caberia dizer que provavelmente o efeito diferido mais contundente desta Ronda das Américas tenha sido a tradução, para a editora Guairá de Curitiba, do venezuelano Rômulo Gallegos, “talvez o maior romancista da América Espanhola”, como diz o próprio Amado, “cujo romance Doña Barbara está sendo filmado em Hollywood”, motivação de público vasto que explica muito do sentido da Ronda e da própria tradução de Amado. O modernismo encontra, assim, seu aqui e agora: a reprodução em serie, a imagem de massa, o turismo. Com efeito, o texto de A ronda das Américas visa criar imagens compósitas, de registro despretensioso, escrita piegas, sociologismo direto e vida literária levemente exótica, tudo nivelado e servindo aos efeitos de um passatempo de multidões. São imagens que de antemão se sabe degradadas e depauperadas. Por isso a pergunta que sustenta toda A ronda das Américas é: como devolver poder às imagens? O texto de Amado é assim uma construção transcultural em que o escritor busca temperar a própria ferramenta narrativa. É, nesse sentido, que a Ronda pode ser pensada como um texto experimental, um texto que experimenta com a espetacularização da subjetividade. Disse que a Ronda não é um diário. Guarda, porém, certo sabor de inconfidência típico dessa escrita. Conta Gide, a propósito que, certa feita, para ilustrar durante uma palestra sua definição de verso excelente, Valéry citou um alexandrino de Hugo. Porém, citou mal. Citou de cor. Gide narrou a anedota no Diário, e Valéry, incomodado com a revelação, escreveu-lhe uma carta, nela discriminando o escritor do camarada, duas figuras que são e não são a mesma pessoa, que merecem e não merecem o benefício da verdade. Gide não se fez de rogado e, entendendo ao pedido, acabou por suprimir a anotação do diário. Mais tarde, mortos ambos, a correspondência Gide Valéry pôs a nu o acontecido e também a descompostura do injuriado. Valéry tinha razão, mas a verdade prevaleceu. É que os leitores, dizia José Bianco, um dos escritores que Amado encontra na viagem e que, por sinal refere à história, quando admiram um escritor, querem conhecer também a parte de homem que nele habita. Por isso, mais importante, quiçá, do que a traição da memória ao citar Murilo Mendes, é o fato de Amado evocar um poema de Histórias do Brasil, outro texto tanto tempo esquecido e que, a seu modo, é um relato de viagem pela história pessoal e do país, um relato onde constantemente se ronda em torno de si mesmo, indo da identidade constituída à idade constitutiva. A ronda das Américas nos permite, em suma, essa aproximação ao homem Jorge Amado. Para a transição da série, adotamos o critério de atualizar a ortografia e as palavras que em 1938 ainda não encontraram equivalente em português. É o caso, por exemplo, de touriste. Pude consultar para a edição da Ronda o acervo do núcleo de Estudos Literários e Culturais da Universidade Federal de Santa Catarina. Agradeço, por último, a Diana Wechsler e a Rose Corral as precisões e informações incorporadas às notas.

Texto escrito por Rául Antelo


Sobre o Organizador:

Rául Antelo é professor titular de literatura brasileira da Universidade Federal de Santa Catarina. É professor em Letras Modernas (Universidad de Buenos Aires, 1974), mestre (Universidade de São Paulo, 1978) e doutor em Literatura Brasileira (Universidade de São Paulo, 1981) e pesquisador (categoria 1-A) do CNPq. Foi professor visitante em várias universidades brasileiras e estrangeiras (Yale, Duke, Texas at Austin, Leiden). É autor de Literatura em Revista (Ática, 1984); Na ilha de Marapatá (Hucitec/INL, 1986); João do Rio: o dândi e a especulação (Timbre/Taurus, 1989); Parque de diversões Aníbal Machado (Ed. da UFSC, 1998); A ficção pós significante (MAPA, 1998),Transgreção & Modernidade (EUPG, 2001). Colaborou em várias obras coletivas, dentre elas, Brecht no Brasil (Paz e Terra, 1984); Modernidade e Modernismo no Brasil (Campinas, Mercado de Letras, 1984); American Visions: Artistic and Cultural Indentity in the Western Hemisphere (New York, Arst International, 1994); La Imaginación histórica en El siglo XIX (Rosário, UNR, 1994); Nouveau Monde, Autres Mondes. Surréalisme et Amériques (Paris, Lachenal & Ritter, 1995); Esplendores y misérias del siglo XIX. Cultura y Sociedad en America Latina (Caracas, Monte Avila, 1995); Declínio da arte, ascensão da cultura (Letras Contemporâneas, 1998); Murilo Mendes, o visionário (Ed. da UFJF, 1998);Ética e estética na antropologia (Ed. da UFSC, 1998); Poesia hoje (Niterói, Ed. da UFF, 1998); La postmodernité au Brésil (Paris, UNESCO/ Université de Paris III, 1999); Narrativas da modernidade(Belo Horizonte, Autêntica, 1999); La riqueza de la diversidad. Vida, obra y herencia de Miguel Angel Astúrias 1899-1999 (Paris, UNESCO, 1999), La cultura de um siglo. América Latina en SUS revistas(Buenos Aires, Alianza, 1999); The future of Cultural Studies (Leuven U. Press, 2000); Brasil. Culture and economies of four Continents (Leuven, ACCO, 2000) e Brazil 2001. A revisionary History of Brazilian Literature and Culture (Dartmouth, 2001). Tem artigos recentes em The Review of Contemporary Fiction; Revista Iberoamericana; Protée, théorie pratiques sémiotiques (Québec);Inimigo Rumor (Rio de Janeiro); Revista Brasileira de Literatura Comprada, Revista de Crítica Cultural (Santiago de Chile), Punto de Vista (Buenos Aires), Radar Libros (Idem) e nos catálogos(Roteiros. Roteiros. Roteiros... da Bienal de São Paulo (1998) e Fricciones (Museu Reina Sofia, 2000). Editou A alma encantadora das ruas de João do Rio (Companhia das Letras, 1997) e a Obra Completa de Oliverio Girondo para a coleção Archives da Unesco (1999), onde também colaborou nas edições críticas de Mário de Andrade e Henríquez ureña. Foi presidente da Associação Brasileira de Literatura Comparada (ABRALIC) no período de 1996/98 e consultor de literatura brasileira da Revista Iberoamericana de Pittsburgh.

Informação adicional

Peso 0,410 kg
Dimensões 22 × 15,50 × 1 cm

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